Quem nunca sonhou em ver seus brinquedos ganharem vida e se tornarem seus amigos? O cinema realizou esse desejo ao trazer para a tela filmes e animações sobre nossos brinquedos favoritos, como G.I. Joe, He-Man, Lego e Lango-Lango. Mas nenhum deles se compara à Barbie, a boneca que transcendeu o status de brinquedo e se tornou um ícone cultural.

Lançada em 1959, a Barbie passou por diversas transformações ao longo do tempo, refletindo os ideais e as mudanças da sociedade. Em 2023, 64 anos depois de sua criação, a boneca ganha um filme live-action dirigido por Greta Gerwig (Lady Bird, Ruído Branco e Adoráveis Mulheres), com Margot Robbie no papel principal e um objetivo claro, dar mais um passo para a evolução da ideia por trás da boneca, e dessa vez pelas mãos de Greta Gerwig.

Um dos destaques do filme é justamente a direção dela, que é uma das cineastas mais aclamadas da atualidade. Ela conseguiu dar um tom de sátira e crítica social ao filme, usando referências de outros filmes e obras de arte. Por exemplo, a abertura do filme é uma paródia de 2001: Uma Odisséia no Espaço, um clássico da ficção científica.

Logo de cara você vai perceber, muito provavelmente o filme não é nada do que você imagina. E terão pessoas que irão se surpreender, e tem pessoas que irão se assustar com o rumo que o filme leva. E isso é intencional, absolutamente intencional. Greta quer tirar as pessoas do lugar de comodismo e incomodar elas com assuntos que muitas das vezes ninguém quer debater. E ela faz isso de maneira genial, já que usa o que há de mais comum hoje em dia, filmes de live-action, bonecos e nostalgia, para revelar um enredo muito mais profundo. Barbie é pano de fundo para um roteiro que não tenta fugir da comédia, mas que usa com sabedoria cada piada, cada sarcasmo, cada ironia, e cada “tapa na cara” que ele dá.

A história do filme não é infantilizada, é bom deixar isso claro

Barbie é um filme muito leve, mesmo com mensagens tão poderosas, mas não se engane: Barbie não é um filme infantil. Apesar de não ter nada que impeça as crianças de assistirem, o filme traz mensagens profundas e críticas que só serão compreendidas por quem entende o mundo como ele é: muitas vezes cruel e desigual. O filme explora dois universos que coexistem: a Barbieland, o mundo da Barbie, e o nosso mundo. Em algum ponto, esses dois mundos se conectam, desencadeando uma série de eventos que deixam a Barbie em dúvidas sobre sua própria existência.

Em Barbieland, todas as mulheres são Barbies. Assim como a boneca tem várias versões, lá também. E há o Ken, aliás, vários Kens por lá, e pra eles a vida acontece do mesmo jeito, todo santo dia. O filme sugere que as bonecas agem de acordo com o que suas crianças (lá do mundo real) fazem com elas. Logo, as emoções, sentimentos e maneiras de brincar das crianças influenciam a maneira como as Barbies e Kens agem na Barbieland. Ao ter que viajar para o mundo real, junto ao Ken (Ryan Gosling), Barbie aprende muito sobre as diferenças entre os dois mundos, e principalmente sobre sua concepção do impacto das Bonecas Barbies na vida das meninas. E aqui aparece uma crítica muito interessante sobre como existia uma presunção da Mattel em fazer parecer que todas as mulheres poderiam se sentir representadas pela boneca, o que não é verdade.

Apesar de haver várias versões dela, e obviamente isso é importante para a representatividade, durante muito tempo a boneca foi vista como um ideal a ser alcançado (mas impossível de ser). Um estereótipo de uma mulher ideal, que não por acaso é o nome da Barbie da Margot Robbie: “Barbie Estereotipada”. Uma clara e direta crítica ao modelo de marketing adotado pela Mattel no começo das vendas.

Em certo ponto da história, Barbie acaba encontrando sua “dona” do mundo real, e isso faz com que ela perceba que a ideia por trás da criação e evolução da Barbie acabou se tornando inadequada e ultrapassada. Muito diferente do que ela imaginava ser o propósito de sua existência. E essa dona, tem um papel muito grande na transformação da personalidade da boneca e também de todas as outras barbies que existem.

Da mesma forma que Barbie aprende sobre o mundo real, Ken também aprende. E aqui ele aprende o que nós já sabemos todos os dias: como o mundo é masculinizado e como temos a sensação (real) de que o mundo é comandado pelos homens. E obviamente isso sobe à cabeça dele, desencadeando assim uma revolução masculina na Barbieland.

 

Barbie

 

Direção de Greta mostra toda sua versatilidade em Barbie

 

Greta não tem problemas em abordar os problemas relacionados à imagem deturpada das pessoas em relação ao feminismo. Na verdade, o filme deixa claro que ele é sobre isso. Não de maneira velada, mas direta e objetiva. No fim das contas, me pergunto se a Barbie aqui não é somente uma metáfora, ou somente um caminho para fazer a mensagem se espalhar. O filme não é sobre brincar ou sobre brinquedos, na verdade, existe uma reflexão sobre humanidade poderosa aqui.

Existe também uma crítica ao consumismo e ao mercado financeiro. A visão de mercado masculinizada que rebaixa e menospreza as mulheres. Inclusive, o filme faz questão de fazer piadas ácidas com isso, para tocar na ferida mesmo. Greta utiliza até a quebra da quarta parede para mostrar que o filme sabe que está fazendo chacota com a indústria cinematográfica. A mensagem por trás do filme é muito clara e objetiva: mostrar como o mundo não evoluiu tanto assim na questão da igualdade de gênero.

O filme também faz uma homenagem a Ruth Handler, a inventora da boneca Barbie e cofundadora da empresa Mattel. Ruth foi uma mulher visionária e empreendedora, que percebeu que as meninas queriam brincar com bonecas que representassem seus sonhos e aspirações, e não apenas o papel de mãe ou babá. Ela criou a Barbie em 1959, inspirada na filha Barbara, e revolucionou o mercado de brinquedos. Ruth também enfrentou desafios pessoais e profissionais, como o câncer de mama e a fraude na Mattel, mas nunca desistiu de seus ideais. No filme, Ruth é interpretada por Rhea Perlman, que faz uma participação especial como a dona inventora e criadora da marca Mattel e da própria boneca. A personagem de Ruth ajuda Barbie a descobrir seu verdadeiro propósito e a valorizar sua individualidade.

 

Um elenco incrível que faz toda a diferença

Falando de atuação, Margot Robbie entrega tudo que ela pode e sabe. Após assistir ao filme, fiquei me perguntando se haveria outra pessoa que pudesse ter feito esse papel dessa forma, e a resposta é não. Parece que Margot nasceu para interpretar a Barbie, não só pela beleza, mas especialmente pela interpretação que ela deu para a ideia. Assim como Ryan Gosling, que fez sucesso como Ken. Ele dança, canta, anda de patins, chora, tudo isso vestindo as mais variadas roupas do guarda-roupa de Ken. Por falar em roupas, o figurino e a maquiagem desse filme é impecável e provavelmente vai concorrer ao Oscar por isso. A reprodução dos cenários, imaginando como seriam caso aquela Barbieland fosse real.

Mas o que mais me surpreendeu nas atuações não foram somente os protagonistas, mas os coadjuvantes. E são muitos. São tantas versões de Barbies e Kens, que fica difícil citar todos. Mas os que eu realmente pude notar se destacando foram Issa Rae, Simu Liu, Emma Mackey, Ncuti Gatwa, Connor Swindells, Alexandra Shipp, Kingsley Ben-Adir, Will Ferrell, Kate McKinnon e Dua Lipa, entre outros.

Outro ponto forte do filme é a trilha sonora, que é composta por canções originais e covers de músicas famosas, interpretadas pelo elenco. Por exemplo, Dua Lipa canta uma versão de “Material Girl”, de Madonna, uma música que fala sobre o consumismo e a superficialidade. Ryan Gosling canta uma versão de “I’m a Barbie Girl”, do Aqua, uma música que ironiza o estereótipo da boneca. As músicas ajudam a criar o clima e o humor do filme, além de fazerem referência à cultura pop.

 

Barbie e Ken trailer

 

Barbie vale a pena? É o filme do ano?

Barbie é um filme que questiona a existência da boneca mais famosa do mundo, mostrando como ela foi criada para representar as mulheres, mas acabou se tornando uma ilusão. Um filme que faz pensar sobre os padrões impostos pela sociedade e sobre a busca pela identidade própria.

O filme surpreende pela ousadia e pela inteligência de abordar temas relevantes e atuais, que não se limita ao convencional, e traz consigo um sarcasmo icônico. O filme não é uma mera adaptação de um brinquedo, mas uma obra que questiona os valores e as expectativas da sociedade em relação às mulheres.

Para finalizar eu gostaria de dizer que minha crítica não consegue abordar o tema de maneira ampla, já que o coração do filme é a experiência feminina do assunto. Por isso, eu gostaria de deixar aqui minha indicação para que vocês procurem outros pontos de vista, principalmente de mulheres que escrevem sobre cinema e com certeza poderão falar com muito mais propriedade do que eu sobre a visão delas e a visão feminina do filme.